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sexta-feira, 24 de maio de 2013

Um versículo do Livro da Sabedoria

Por Dr. Geraldo N. Oliveira (via blog Cristo Cósmico)

Não me surpreendo mais  quando, de repente, um versículo  da Bíblia sintetiza uma coisa complexa para ser dita e/ou escrita.

Assim me aconteceu recentemente com um versículo do livro “Sabedoria”.

O texto original e sua tradução vão aí adiante:

Sab 1,7 - ὅτι πνεῦμα Κυρίου πεπλήρωκεν τὴν οἰκουμένην, καὶ τὸ συνέχον τὰ πάντα γνῶσιν ἔχει φωνῆς.

Que significa :  porque o Espírito do Senhor preenche o universo, e Aquele que une todas as coisas conhece  a voz.

Passei dias (ainda estou nessa) curtindo a verdade e a beleza do pequeno texto.

Pudesse eu compartilhar...posso tentar...

Meio  arbitrariamente  vou dividi-lo em três  segmentos, comentando-os sob a minha ótica.

1)    porque o Espírito do Senhor preenche o universo (ὅτι πνεῦμα Κυρίου πεπλήρωκε τὴν οἰκουμένην)
Não desisto de pensar que o universo tem uma causa. Senti isso desde a infância e acabei por aprender os aspectos técnicos dessa conclusão num texto de Aristóteles, o “A respeito da Física”, mais precisamente no 8º livro. Vi tal concepção retomada e simplificada na Summa contra Gentiles (São Tomás de Aquino).
Também não posso não pensar que o que se apresenta no efeito precisa existir de forma mais perfeita  na causa.
Também (e ainda) parece insensato pensar que a causa não persista causando , já que a causa entrevista por Aristóteles se situa fora da ordem física, não sofrendo, portanto, as transformações inerentes à ordem física. Ao contrário, a causa continua causando, pois que é de tal natureza que se cessa de causar o efeito não sobrevive.
Claro, estou colocando umas ideias soltas, sem mergulhar no mérito de nenhuma delas. Mas pode-se mergulhar. Num outro momento. Agora  interessa-me apenas  indicar por alto a complexidade da reflexão  que , de repente, como num encantamento, aparece em uma poucas e estranhas palavras : ὅτι πνεῦμα Κυρίου πεπλήρωκεν τὴν οἰκουμένην   ou  “porque o Espírito do Senhor preenche o universo “
2)    καὶ τὸ συνέχον τὰ πάντα (e Aquele que une todas as coisas)
Este fragmento vem como pesado reforço ao fragmento anterior. A palavra συνέχον  é um substantivo  que tem a  ver com o verbo συνέχω, que, por sua vez é  composto de duas partes : συν  que exprime a ideia de juntar, de unir, e έχω, que significa literalmente “eu tenho” ou “eu mantenho”. A palavra me parece ficar bem traduzida por “aquele que une”.
(Curiosidade: Temos em português pelo menos uma palavra que                tem tudo a ver. É  “sinéquia”, do vocabulário médico , e se refere a situações em partes de um órgão ,ou estruturas, que deviam estar separadas se encontram  “aderidas”.  Pode ter como sinônimo “aderência”).
Volto ao fio da meada. O que está dito é que o Espírito de Deus é fator determinante da união de cada parte do universo. Ora, dirão , não caberia  ao conhecimento  científico  determinar que coisa é que une coerentemente todas as coisas. Sim, cabe à razão investigar, mas também pela  mesma razão eu sei que a causa última da realidade que experimento está fora da ordem desta mesma realidade que experimento. Repito, a causa última pertence a outra ordem de ser, a outra natureza, o que exclui o panteísmo.A causa última não pode cair sob o olhar de um microscópio nem sob um telescópio.
Só por via da revelação posso saber algo a respeito de sua natureza. Mas o versículo me diz algo que muito me interessa : é o Espírito do Senhor que mantém unidas todas as coisas, sustenta todas as coisas num todo imenso e coerente.
O Espírito do Senhor pode, assim,  ser  contemplado  (= visto com o pensamento, conforme define o Aurélio)  por “transparência”. E preenche o universo, de modo que não está só aqui, mas também ali, acima, abaixo, fora, dentro, aquém, além, no material,  no imaterial... ativo  em tudo, o tempo todo, e em  todo lugar.
Por isso é que cantamos às vezes “o amor de Deus se mostra em pleno sol”.
3)    Agora o final:     γνῶσιν ἔχει φωνῆς ( tem conhecimento da voz)
Sem precisar dizer mas  já dizendo, o sujeito gramatical deste fragmento é “o Espírito do Senhor”. Agora sabemos também que  “aquele que une todas as coisas” também “conhece a voz”.  Bela estranheza esta.  Ele  age, cria,  sustenta... e também ouve. Que voz? Sem dúvida, toda.  E entre todas as vozes do universo se conta a nossa vozinha, miúda mas pessoal, cheia de admiração e amor . Mais importante ainda: há uma vozinha muito muito familiar, a voz do coração,  que não dispõe de palavras  mas às vezes só  de confusos e obscuros sentimentos. Que bom que o Espírito do Senhor também ouve essa voz, a mais disponível de  todas, a mais sincera de todas, a que consegue falar o que não conseguimos dizer nem propriamente pensar.
Em síntese, contemplo o Senhor (por transparência) na Criação, em mim, fora de mim... em tudo.
E sei que em todos os momentos e lugares Ele me ouve, mesmo que  eu não consiga falar.

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